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ARTIGO

Retardo Mental
28/11/2008 00:11:40

Marcio M. Vasconselos

J Pediatr (Rio J). 2004;80(2 Supl):S71-82 
Introdução

O retardo mental (RM) é um dos transtornos neuropsiquiátricos mais comuns em crianças e adolescentes. A taxa de prevalência tradicionalmente citada é de 1% da população jovem (1,2), porém alguns autores mencionam taxas de 2 a 3% (3,4), e há estimativas de até 10% (5). Há um consenso geral de que o RM é mais comum no sexo masculino, um achado atribuído às numerosas mutações dos genes encontrados no cromossomo X (6). A razão entre os sexos masculino e feminino é de 1,3 a 1,9 para 1 (3). As crianças acometidas muitas vezes apresentam-se ao pediatra geral com queixa de atraso na fala/linguagem, alteração do comportamento, ou baixo rendimento escolar.

O diagnóstico de RM é definido com base em três critérios (7): início do quadro clínico antes de 18 anos de idade; função intelectual significativamente abaixo da média, demonstrada por um quociente de inteligência (QI) igual ou menor que 70; e deficiência nas habilidades adaptativas em pelo menos duas das seguintes áreas: comunicação, autocuidados, habilidades sociais/interpessoais, auto-orientação, rendimento escolar, trabalho, lazer, saúde e segurança. O QI normal é considerado acima de 85, e os indivíduos com um escore de 71 a 84 são descritos como tendo função intelectual limítrofe (8). Os testes do QI são mais válidos e confiáveis em crianças maiores de 5 anos (9), e por isso muitos autores preferem termos alternativos ao RM, tais como atraso do desenvolvimento (9), dificuldade do aprendizado (8), transtorno do desenvolvimento (10) ou deficiência do desenvolvimento (11). Além disso, como os testes do QI nem sempre estão disponíveis, há uma tendência natural a utilizar os termos atraso do desenvolvimento e RM como sinônimos, mas é preciso ter em mente que nem toda criança pequena com retardo na aquisição dos marcos do desenvolvimento terá RM quando testada formalmente em uma idade maior (9).

A despeito dos recentes avanços nos instrumentos de investigação médica, a etiologia do RM permanece desconhecida em 30 a 50% dos casos (1,12). Utilizam-se diferentes classificações com a finalidade de facilitar a investigação clínica do RM. Pode-se classificá-lo quanto à época do evento causal em pré-natal, perinatal ou pós-neonatal (2). Classicamente, correlaciona-se a intensidade do RM com o escore do QI. Assim, as crianças com QI de 50-55 a 70 têm RM leve; as com QI de 35-40 a 50-55, RM moderado; aquelas com QI de 20-25 a 35-40, RM grave; e as com QI inferior a 20-25, RM profundo (7). O RM leve é 7 a 10 vezes mais comum que o RM moderado ou grave (12). Um esquema mais prático subdivide o RM em leve (QI de 50-70) e grave (QI < 50) (8), o qual será adotado ao longo deste artigo. Freqüentemente se afirma que a chance de esclarecer a etiologia é maior naqueles com RM grave (3,8), mas à medida que as novas técnicas de diagnóstico genético e molecular se tornam disponíveis para o clínico, a probabilidade de selar o diagnóstico independe da intensidade do RM (5). As causas de RM podem ser genéticas ou ambientais, e congênitas (por exemplo, exposição fetal a teratógenos, distúrbios cromossômicos) ou adquiridas (por exemplo, infecção do sistema nervoso central, traumatismo craniano) (13). O RM pode, ainda, ser categorizado em sindrômico, isto é, a criança apresenta características dismórficas associadas que levam à identificação de uma síndrome genética, ou não-sindrômico (14). Convém mencionar que os recém-nascidos diagnosticados com defeitos estruturais congênitos têm uma chance 27 vezes mais alta de receber o diagnóstico de RM aos 7 anos de idade (15).

Talvez nenhuma outra área do conhecimento tenha contribuído mais para a elucidação do RM do que a genética. Contudo, esta elucidação trouxe consigo um labirinto de possibilidades diagnósticas. Uma pesquisa do termo "mental retardation" no banco de dados da Internet Online Mendelian Inheritance in Man (http://www3.ncbi.nlm.nih.gov/omim/) gerou, em outubro de 2003, 1.149 entradas de síndromes genéticas distintas associadas a RM. Em uma revisão recente, Battaglia (16) reconheceu que os médicos devem estar com "pânico virtual" diante da extensa avaliação diagnóstica do RM, a um custo emocional e financeiro elevado para os pacientes. A boa notícia é que já é possível definir o diagnóstico etiológico em pelo menos metade dos pacientes acometidos, e a melhor estratégia é planejar uma investigação lógica em etapas, de acordo com os achados da anamnese e do exame físico (5,9).

O objetivo desta revisão é atualizar o pediatra generalista sobre os recentes avanços na compreensão e investigação do RM em crianças e adolescentes, à luz da neurociência e dos novos recursos oferecidos pela citogenética, pelo diagnóstico molecular e pela neurorradiologia. Por fim, abordaremos aspectos do tratamento.

A neurobiologia do retardo mental

O mapeamento do genoma humano e a capacidade de desligar ("nocautear") um determinado gene em animais de laboratório possibilitaram o estudo das alterações intracelulares específicas de cada mutação gênica e a correlação de uma molécula deficiente com o resultante déficit cognitivo, estabelecendo as bases celulares da cognição (13,17).

Os neurônios são as unidades condutoras de sinais do sistema nervoso e apresentam dois tipos de prolongamentos: vários dendritos curtos, que são arborizados e recebem os sinais de outros neurônios, e um único axônio longo, que transmite os sinais adiante (18). As espinhas dendríticas são elementos diminutos localizados em locais pós-sinápticos das sinapses excitatórias (19); como locais de contato entre axônios e dendritos, medeiam a plasticidade sináptica que fundamenta o aprendizado, a memória e a cognição (20). Isto é, a remodelagem das sinapses e as alterações na forma e no número das espinhas dendríticas são a base anatômica do aprendizado e da memória (19). Ademais, diversas proteínas codificadas por genes cujas mutações produzem RM ligado ao cromossomo X executam as vias de sinalização que regulam a morfologia das espinhas dendríticas, a liberação de neurotransmissores, o crescimento dos axônios e o citoesqueleto de actina. A hipótese atual é a de que o RM origina-se de um defeito da estrutura e função das sinapses neuroniais (19).

Há várias décadas, sabe-se que o RM está associado a anormalidades dos dendritos e das espinhas dendríticas (13). Recentemente, estudos dos neurônios piramidais no córtex cerebral e hipocampo de pacientes com as síndromes de Down, Rett e do X-frágil confirmaram a presença de anormalidades na forma e ramificação das espinhas dendríticas (21).

O conceito de plasticidade abrange as capacidades do cérebro de ser moldado pela experiência, de aprender e recordar e de reorganizar-se e recuperar-se após uma lesão (22). A plasticidade se desenvolve a partir da interação das vias excitatórias e inibitórias atuantes nas sinapses, com um predomínio das primeiras, servidas pelo neurotransmissor glutamato. A ativação dos receptores glutamatérgicos de NMDA e AMPA leva à formação e estabilização das sinapses (22). As proteínas intracelulares Rho-GTPases também estão implicadas, pois regulam o citoesqueleto de actina (13), o qual é crucial para o crescimento e a diferenciação dos neurônios (19). O aprendizado e a memória envolvem alterações a curto prazo na força ou eficácia da neurotransmissão nas sinapses, bem como alterações a longo prazo na estrutura e no número das sinapses (23). A transcrição de genes é a via comum final para o registro das memórias a longo prazo e para a construção de circuitos neuroniais maduros no cérebro em desenvolvimento (22). Assim, o mecanismo de plasticidade envolve a estimulação por neurotransmissores de receptores na superfície celular, a ativação de cascatas de sinalização intracelular, a transcrição de genes e a síntese de proteínas novas que modificam a forma física e o número das sinapses (Figura 1).

Figura 1 -
Mecanismos da plasticidade neuronial que medeiam o aprendizado e a memória (adaptado, com permissão, de Johnston (22)).

A descoberta recente de que o RM ligado ao X pode decorrer de mutações nos genes que codificam as proteínas PAK3, OPHN1 e ARHGEF6, todas as quais interagem com as Rho-GTPases, enfatiza a importância dos mecanismos celulares descritos acima para a função cognitiva (13,19). Em 1999, Amir et al. (24) relataram que mutações do gene MECP2, que codifica a proteína 2 de ligação a metil-CpG ou MeCP2, são responsáveis por mais de 80% dos casos da síndrome de Rett, uma causa de RM no sexo feminino (25). O córtex cerebral humano exibe um padrão interessante de expressão de MeCP2: a proteína é muito escassa ou ausente nos neurônios imaturos, mas permanece alta nos neurônios maduros pelo resto da vida (26). Além disso, demonstrou-se uma redução na ramificação dendrítica dos neurônios piramidais em determinadas regiões do córtex cerebral tanto na síndrome de Rett quanto no autismo (27).

A síndrome do X-frágil é uma causa hereditária comum de RM (28). A síndrome está quase sempre associada à expansão da repetição dos três nucleotídeos CGG presentes no gene FMR1, situado no lócus Xq27.3 (29). O gene FMR1 codifica a proteína FMRP, que se liga ao RNAm, e sua ação reguladora da transcrição-tradução é importante na maturação e função das sinapses (8,17,22). Em indivíduos normais, as repetições CGG possuem de 6 a 54 unidades, enquanto aqueles com a síndrome exibem uma expansão acima de 200 unidades, constituindo a mutação plena. Um número de repetições CGG maior do que 200 resulta em hipermetilação do segmento, silenciando a transcrição do gene FMR1 - portanto, a proteína FMRP está ausente. Os indivíduos com 55 a 200 repetições são considerados portadores da pré-mutação, a qual é instável e tende a expandir-se durante a primeira divisão meiótica feminina (30). Camundongos que tiveram o gene FMR1 nocauteado apresentaram macroorquidia e déficits do aprendizado e da memória, simulando o fenótipo humano (31). Estudos patológicos em pacientes com a síndrome do X-frágil e em camundongos modificados geneticamente observaram espinhas dendríticas anormais, fortalecendo o conceito de que a disgenesia das espinhas dendríticas está associada ao RM (28).

A inativação de um dos dois alelos de cada gene do cromossomo X que ocorre no início do período embrionário nas meninas (26) gera duas populações celulares. Este mecanismo genético é responsável pela ampla variabilidade do fenótipo das doenças recessivas ligadas ao X nas meninas heterozigóticas, uma vez que a inativação do alelo mutante se dá em proporções aleatórias (6). No caso da síndrome do X-frágil, as meninas portadoras da mutação tendem a apresentar manifestações clínicas mais leves (8).

Epidemiologia do retardo mental

Um estudo (1) avaliou as características epidemiológicas do RM no estado da Califórnia entre 1987 e 1994. Depois de excluir as crianças diagnosticadas com paralisia cerebral, autismo, anormalidades cromossômicas, infecções, distúrbios endócrinos ou metabólicos, traumatismos ou intoxicações, malformações cerebrais e doenças ou neoplasias do sistema nervoso central, os autores encontraram 11.114 crianças com RM de origem desconhecida. Constataram, então, que um peso ao nascer < 2.500 g foi o fator preditivo mais forte de RM, e encontraram outros fatores de risco associados ao RM, tais como nível educacional inferior da mãe, idade maior da mãe ao nascimento da criança e múltiplos nascimentos.

O risco de RM está elevado em crianças que apresentam defeitos estruturais congênitos (11,15). Um estudo comparou a presença de um defeito estrutural congênito em criança com 1 ano de idade com o diagnóstico de RM aos 7 a 9 anos de idade (15). Os resultados mostraram que os defeitos estruturais congênitos, envolvendo o sistema nervoso central ou não, elevaram em 27 vezes o risco de RM. As crianças com síndrome de Down e aquelas com defeitos dos cromossomos sexuais estavam sob risco mais alto de RM, porém a presença de espinha bífida gerou uma prevalência relativa em comparação com crianças sem defeitos congênitos, de 91,2; a presença de defeitos cutâneos gerou uma prevalência relativa de 70,9; e a presença de um defeito do sistema musculoesquelético, de 47,1.

Outro estudo analisou o aumento do risco de deficiências do desenvolvimento - RM, paralisia cerebral, deficiência auditiva e perda visual - em um grupo de 9.142 crianças nascidas entre 1981 e 1991 com defeitos congênitos importantes (11). Os autores definiram razões de prevalência do RM para cada defeito congênito em comparação com crianças sem defeitos congênitos e encontraram os seguintes valores: defeitos cromossômicos, razão de prevalência de 62,5, ou seja, uma criança nascida com um defeito cromossômico correu um risco 62,5 vezes mais alto de ter RM do que uma criança normal; defeitos do sistema nervoso central, 30,2; síndrome do álcool fetal, 29,1; infecções congênitas do grupo TORCH, 24,3; defeitos oculares, 7,2. A associação do RM a múltiplos defeitos sugere que alguns casos não são causados diretamente por defeitos congênitos coexistentes, mas podem ser produzidos por outros fatores presentes durante o desenvolvimento embrionário, que atuariam como causas comuns do defeito congênito e do RM (11).

Existe um gradiente de seqüelas do desenvolvimento inversamente relacionado com peso ao nascer e idade gestacional. Isto é, quanto menor o recém-nascido, maior a probabilidade futura de RM e outras deficiências, como paralisia cerebral, epilepsia, transtornos do comportamento e déficits cognitivos sutis (32). Em um estudo realizado pelo grupo National Institute of Child Health and Human Development Neonatal Research Network (33), os autores analisaram 1.151 lactentes aos 18 meses de idade com peso ao nascer extremamente baixo (401 a 1.000 g) e encontraram um índice de desenvolvimento mental de Bayley II abaixo de 70 em 37% dos sujeitos. Os autores observaram, através de regressão logística, os seguintes fatores associados a um aumento da morbidade cognitiva: sexo masculino, doença pulmonar crônica, hemorragia intraventricular grau 3 ou 4, leucomalacia periventricular, uso de esteróides para doença pulmonar crônica e enterocolite necrosante.

Numa meta-análise abrangendo 80 estudos (34), a comparação dos escores de QI entre mais de 4.000 crianças que tiveram baixo peso ao nascer e 1.568 controles que nasceram a termo com peso acima de 2.500 g mostrou uma diferença de 6,01 pontos em favor dos últimos. Análises mais recentes encontraram reduções do QI de 0,3 a 0,6 (desvio padrão) nas crianças nascidas prematuras (32). Por outro lado, um estudo de 144 crianças de 7 a 16 anos de idade (35) concluiu que um peso ao nascer muito baixo (< 1.500 g) esteve associado a RM grave apenas quando as crianças também apresentavam paralisia cerebral.

Parmeggiani et al. (36) analisaram 28 pacientes com hipoplasia cerebelar e, depois de constatar que 75% deles apresentavam RM, concluíram que a hipoplasia cerebelar é um fator de risco importante para a ocorrência de RM. Nordin & Gillberg (37) estudaram 177 indivíduos com RM ou deficiência motora e observaram que a prevalência dos transtornos do espectro autista em 101 crianças com RM foi de 19,8%. Os autores enfatizaram que muitas crianças com RM grave têm um transtorno do espectro autista, mas não a maioria.

Causas de retardo mental

A descoberta da fenilcetonúria em 1934 levou rapidamente à constatação de que uma dieta pobre em fenilalanina preveniria o RM associado à doença (38), e este modelo de definição do diagnóstico, levando ao esclarecimento da fisiopatologia e ao tratamento em potencial, muitas vezes incentivou as pesquisas sobre o RM. De fato, existem várias razões para se perseguir a etiologia do RM (5), pois a família deseja esclarecer o problema, e a definição da causa ajuda a estabelecer o risco de recorrência, planejar exames laboratoriais adequados, instituir o tratamento apropriado (se existente), predizer o prognóstico e encaminhar o paciente e a família a grupos de apoio.

Uma avaliação clínica criteriosa atualmente é capaz de identificar a etiologia do RM em até 50 a 70% dos casos (1,12), um percentual bem maior do que aquele relatado em séries de casos mais antigas. Por exemplo, em 715 casos investigados no período 1985-1987 (2), encontrou-se uma causa para o RM em apenas 22% das crianças; em ordem decrescente de freqüência, as causas mais prevalentes foram asfixia perinatal, síndrome de Down, infecção do SNC neonatal ou pós-neonatal e síndrome do álcool fetal. Em um estudo mais recente (39) de 99 crianças menores de 5 anos com atraso global do desenvolvimento, 44 (44%) tiveram um diagnóstico definido. Destas, 77% abrangeram apenas quatro diagnósticos - disgenesia cerebral, encefalopatia hipóxico-isquêmica, exposição intra-uterina a toxinas e anormalidades cromossômicas. Os erros inatos do metabolismo não fizeram parte dos diagnósticos citados porque a triagem neonatal universal já os havia identificado previamente. Através da análise por regressão logística, os autores detectaram as características clínicas associadas a uma maior chance de esclarecer a etiologia do RM: exposição pré-natal a toxinas, microcefalia, achados motores focais e ausência de comportamento autista.

Um inquérito diagnóstico realizado no sul do Brasil abrangeu 202 indivíduos com RM ligados à Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) (40). Os autores usaram um exame clínico cuidadoso e investigação laboratorial para definir o diagnóstico em 132 pacientes (65,3%). A síndrome de Down foi detectada em 32,2% dos casos, seguida por distúrbios de herança mendeliana em 12,4%, afecções adquiridas (incluindo infecções) em 10,4% e malformações do sistema nervoso central em 4%. A alta percentagem de casos com síndrome de Down provavelmente reflete um viés de seleção.

A afirmação de que a etiologia é definida com maior freqüência no RM grave deixa de ser válida quando se têm à disposição técnicas de diagnóstico mais modernas, como o cariótipo de alta resolução, a hibridização in situ de fluorescência (FISH), a triagem subtelomérica, a microdissecção cromossômica e a espectroscopia por ressonância magnética (5).

A Tabela 1 correlaciona alguns indícios clínicos e laboratoriais com possíveis etiologias do RM. A seguir, abordaremos algumas das causas mais prevalentes.

Tabela 1 -
Correlação de alguns indícios clínicos e laboratoriais com a etiologia do retardo mental

Síndrome de Down

A síndrome de Down ou trissomia do 21 é a causa mais comum de RM (8), e sua incidência aproximada é de 1:800 nascidos vivos (3). Mais de 90% dos casos decorrem de não-disjunção de origem materna, mas alguns originam-se de translocação ou mosaicismo. Algumas séries mencionam que até 20% do total de crianças com RM têm síndrome de Down (41). As crianças afetadas apresentam um QI médio de 50 (8), e o diagnóstico geralmente é suspeitado a partir das manifestações clínicas, como prega simiesca, hipotonia, pregas epicânticas, occipício achatado, macroglossia, fissuras palpebrais oblíquas, ausência do reflexo de Moro no período neonatal, espaço aumentado entre o primeiro e segundo dedos do pé e cardiopatia congênita, como defeitos dos coxins endocárdicos e comunicação interventricular (3,8). A realização do cariótipo é fundamental para confirmar o diagnóstico e esclarecer o mecanismo genético de origem.

Síndrome do álcool fetal

A síndrome do álcool fetal representa um conjunto de anormalidades físicas, comportamentais e cognitivas observadas em indivíduos expostos ao álcool in utero (42). Foi citada como a causa mais comum de RM nos países desenvolvidos, com estimativas de que até 8% dos casos de RM seriam afetados (41). As características clínicas da síndrome incluem uma fácies típica, com lábio superior fino e filtro labial plano e alongado (Figura 2), fissuras palpebrais curtas, ptose, nariz arrebitado e face média achatada (42). As manifestações adicionais são fenda labial ou palatina, atraso do crescimento pré- e pós-natal, microcefalia, agenesia do corpo caloso, cardiopatia congênita e anormalidades do comportamento. A exposição no primeiro trimestre de gravidez afeta a organogênese e o desenvolvimento craniofacial, enquanto o desenvolvimento do sistema nervoso central é influenciado durante toda a gravidez, devido à maturação continuada dos neurônios. A fisiopatologia da síndrome é mal compreendida, mas parece envolver a formação de radicais livres com resultante lesão celular nos tecidos em formação (42).

Figura 2 -
Menino de 8 anos com a síndrome do álcool fetal (observe o lábio superior fino e o filtro labial liso e alongado).

É importante frisar que a síndrome do álcool fetal é uma das principais causas preveníveis de RM. Assim, as mulheres que planejam engravidar e as gestantes devem abster-se totalmente do consumo de bebidas alcoólicas. Além disso, as evidências sugerem que um diagnóstico e intervenção precoces podem reduzir a ocorrência de deficiências secundárias (43).

Intoxicação por chumbo

Demonstrou-se que a exposição ao chumbo na infância acarreta deficiência cognitiva persistente (44). As crianças são expostas ao chumbo presente na poeira, em lascas de tinta e na gasolina (22,45). Crianças com nível sangüíneo de chumbo igual ou maior que 10 µg/dl são consideradas sob risco de intoxicação (45). Em modelos animais, obtiveram-se evidências de que o chumbo prejudica várias etapas da plasticidade neuronial, com redução da liberação de neurotransmissores, ligação ao receptor de NMDA e interferência em proteinoquinases (22).

Não há relatos publicados da prevalência da intoxicação por chumbo no Brasil, mas nos Estados Unidos, o Center for Disease Control and Prevention (CDC) encontrou um nível sangüíneo de chumbo aumentado em quase 10% das crianças pré-escolares (45).

Infecções congênitas

Na série de 715 crianças de 10 anos de idade com RM de Yeargin-Allsopp et al. (2), somente seis casos (0,8%) estavam associados a uma infecção congênita. No entanto, como apenas 22% dos casos tiveram uma etiologia detectada, as infecções congênitas significaram 3,8% das etiologias. A despeito da eficiência das vacinas e outras medidas preventivas, o grupo das infecções congênitas reunidas sob o acrônimo TORCH continua a ser responsável por uma parcela das crianças com RM, principalmente nos países em desenvolvimento. Na sífilis congênita, por exemplo, o RM decorre da propensão do Treponema pallidum a invadir as meninges e os vasos sangüíneos cerebrais, enquanto a resposta inflamatória parece contribuir para a surdez neurossensorial (46).

Síndromes neurocutâneas

A neurofibromatose tipo 1 (Tabela 1) caracteriza-se pela presença de, no mínimo, seis manchas café-com-leite. Ocorre em uma incidência de 1:4.000, e 4 a 8% dos indivíduos afetados têm QI < 70 (47). Outras deficiências cognitivas descritas são habilidades vísuo-espaciais comprometidas, desatenção e disfunção executiva, mas não parece haver um perfil cognitivo específico da neurofibromatose tipo 1 (47). Um estudo recente analisou o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade em crianças com neurofibromatose tipo 1 (48). Esses autores encontraram uma prevalência de transtorno de déficit de atenção/hiperatividade de 50% em 93 crianças com neurofibromatose tipo 1 e concluíram que a coexistência deste transtorno reduzia o escore do QI, ampliando a deficiência cognitiva. A neurofibromatose tipo 1 é causada por mutações no gene que codifica a proteína neurofibromina, cuja função é regular as GTPases; é possível que a suscetibilidade a tumores e as deficiências cognitivas associadas às mutações sejam causadas por deficiências das vias de sinalização intracelular das GTPases (22).

A esclerose tuberosa (Tabela 1) é uma síndrome multissistêmica reconhecida clinicamente por máculas hipopigmentadas (Figura 3), fibromas na fronte, adenoma sebáceo e fibromas subungueais (8). A tomografia computadorizada do crânio evidencia nódulos periventriculares calcificados, que podem aparecer somente aos 3-4 anos de idade, e túberes corticais (49). Duas mutações estão associadas à esclerose tuberosa: o gene TSC1 reside no cromossomo 9 e codifica uma proteína denominada hamartina, e o gene TSC2 localiza-se no cromossomo 16 e produz a proteína tuberina, que também teria uma função ativadora das GTPases (22). Acredita-se que essas proteínas atuem na regulação da proliferação celular (8). O RM está presente em 47% das crianças acometidas, mas se manifesta apenas nos indivíduos que tiveram crises epilépticas nos primeiros 2 anos de vida (8).

Figura 3 -
Menino de 6 anos com esclerose tuberosa (suspeitou-se do diagnóstico a partir desta lesão hipopigmentada em forma de folha na face posterior da coxa).

A hipomelanose de Ito caracteriza-se por manchas hipopigmentadas dispostas em espirais e estrias seguindo as linhas de Blaschko, macrocefalia e crises epilépticas. Em uma série de 34 casos, o RM estava presente em 64,7% (50).

Síndrome de Rett e outras mutações de MECP2

A síndrome de Rett é uma causa comum de RM em meninas, com uma prevalência na Suécia de 1:10.000 a 1:15.000 (26). Os primeiros sintomas da síndrome ocorrem após 6 a 18 meses de desenvolvimento normal, quando a criança exibe perda da fala, movimentos estereotipados de contorção das mãos, crises epilépticas, irregularidades respiratórias e instabilidade autonômica, e evolui para deterioração motora tardia (25,26). Após o esclarecimento da etiologia genética da síndrome por Amir et al. em 1999 (24), confirmou-se que o gene implicado, MECP2, reside no cromossomo X. As meninas acometidas são heterozigóticas para o alelo da doença. Desde então, descreveram-se mais de 70 mutações do gene MECP2 responsáveis pelo fenótipo da síndrome de Rett (51). Os meninos afetados pelas mesmas mutações, por serem hemizigóticos, sofrem morte intra-uterina ou têm encefalopatia neonatal fatal (26). As meninas afetadas apresentam desaceleração do crescimento cefálico após o início dos sintomas, com microcefalia adquirida (25). Existe controvérsia sobre a função precisa da proteína MeCP2 (Figura 1). Alguns autores acreditam que ela atuaria reprimindo a transcrição gênica (22), enquanto outros afirmam que a síndrome de Rett é uma doença da transdução de sinais pré-sinápticos (26).

Estudos com animais geneticamente modificados demonstraram que a síndrome de Rett é uma doença dos neurônios, porém permanece a controvérsia sobre se a síndrome seria um defeito do desenvolvimento cerebral ou uma deficiência da manutenção celular dos neurônios (26). Huppke et al. (51) criaram um escore de sintomas para ajudar a definir quando indicar a pesquisa de mutações de MECP2.

Outras mutações do gene MECP2 não são necessariamente letais no sexo masculino. Os meninos acometidos podem ter RM grave com sintomas neurológicos progressivos, uma encefalopatia estática não-fatal, esquizofrenia infantil, ou um fenótipo semelhante à síndrome de Angelman (5,26,52).

Síndrome do X-frágil

A síndrome do X-frágil é a causa hereditária mais comum de RM no sexo masculino (8), com uma prevalência estimada de 1:4.000 meninos e 1:6.000 meninas (29). O exame físico revela orelhas proeminentes e face alongada (Figura 4), macrocefalia relativa, articulações hiperextensíveis e, geralmente após a puberdade, macroorquidia (53,54). As manifestações também incluem hiperatividade, adejar das mãos e comportamento autista (29), o último ocorrendo em um quarto dos pacientes (8).

Figura 4 -
Menino (seta) com a fácies típica da síndrome do X-frágil (observe que as duas irmãs e a mãe exibem um fenótipo mais leve porém sugestivo da síndrome; fotografia cortesia do Dr. Juan Llerena, Departamento de Genética, Instituto Fernandes Figueira, RJ; exibida com permissão da mãe).

Além da mutação de FMR1 descrita acima, pesquisadores encontraram uma expansão semelhante, com mais de 200 repetições do trinucleotídio CGG, em outro sítio frágil distal ao primeiro, que abriga o gene FMR2, cuja mutação causa RM e um fenótipo que se confunde com a síndrome do X-frágil devida à mutação de FMR1 (55). A mutação de FMR2 é menos prevalente que a de FMR1 e está associada a um fenótipo mais leve, às vezes com apenas atraso da fala associado ao RM (56). Em um estudo britânico de 534 pré-escolares com atraso da fala, os autores encontraram a mutação plena de FMR1 em três crianças (0,6%) e nenhuma mutação plena de FMR2 (56). Porém, três crianças adicionais apresentaram alelos de FMR2 muito pequenos, sugestivos de deleções. Os autores concluíram que a pesquisa dessas mutações se justifica em pré-escolares com atraso da fala, principalmente quando há história familiar de RM.

O diagnóstico laboratorial da síndrome do X-frágil pode ser definido por técnica citogenética ou, mais apropriadamente, por dois testes moleculares do DNA, a fim de determinar o tamanho da repetição CGG - o teste de Southern blot e a reação em cadeia da polimerase (29). Criou-se uma lista de seis itens para selecionar os pacientes que deveriam realizar o teste, atribuindo-se escores de 0 a 2 a cada um dos seguintes itens: RM, história familiar de transtorno psiquiátrico ou RM, face alongada, orelhas proeminentes, transtorno de déficit de atenção/hiperatividade e comportamento autista (54). Um escore > 5 indicaria o exame.

Malformações cerebrais

Uma série de malformações cerebrais foram descritas em crianças com RM, incluindo displasias do córtex cerebral, displasia do corpo caloso, ventriculomegalia e anormalidades cerebrais e cerebelares menores (4). Em alguns casos, a malformação cerebral está associada a uma síndrome de múltiplas anomalias congênitas, como as distrofias musculares congênitas (57) e as síndromes de lissencefalia e heterotopia ligadas ao X (58). Alguns autores consideram determinadas anormalidades cerebrais menores como fatores de risco para atraso do desenvolvimento, quais sejam cavo do septo pelúcido, hipoplasia do corpo caloso e megacisterna magna (4).

A presença de microcefalia ou macrocefalia deve elevar a suspeita de uma malformação do sistema nervoso central (5). Relataram-se diversas síndromes genéticas com malformações do córtex cerebral associadas a microcefalia (59).

Erros inatos do metabolismo

Os erros inatos do metabolismo são causas bem conhecidas de RM (5), e são particularmente lembrados porque a detecção e o tratamento precoces permitem prevenir o RM, como são os casos de fenilcetonúria, galactosemia e hipotireoidismo (60); isso justificou a inclusão dessas três doenças na triagem neonatal universal.

A lista de causas metabólicas de RM é extensa e abrange as doenças de depósito lisossômico, a hiperglicinemia não-cetótica, os distúrbios do ciclo da uréia, os distúrbios da fosforilação oxidativa ou mitocondriopatias, os distúrbios da biossíntese de colesterol, os defeitos da biossíntese de serina, os distúrbios congênitos da glicosilação e a deficiência de creatina (60), além do novo grupo de distúrbios metabólicos denominados doenças pediátricas devidas aos neurotransmissores, dentre as quais destaca-se a deficiência de succínico-semialdeído-desidrogenase (61).

A deficiência de creatina é uma nova doença metabólica descrita graças ao advento da espectroscopia por ressonância magnética, que demonstrou depleção de creatina no cérebro (62). A suplementação oral de creatina melhorou a deficiência cognitiva de duas pacientes descritas (63).

Desnutrição protéico-calórica

Estudos experimentais com animais de laboratório mostraram que a desnutrição no início da vida pós-natal reduz a taxa de crescimento do sistema nervoso central e o número de neurônios e produz um córtex cerebral mais fino, mielinização deficiente, arborização dendrítica pobre e várias alterações nas espinhas dendríticas (64). Lactentes que sofreram desnutrição grave apresentam distúrbios de neurointegração e graus variáveis de RM documentados anos após a recuperação (65). A desnutrição protéico-calórica materna não produz déficit neurológico ou intelectual permanente no feto porque o crescimento cerebral não é afetado (66). Contudo, durante os primeiros 24 meses de vida pós-natal, a desnutrição exerce sua lesão neurológica mais grave (67). Um estudo recente analisou a densidade e morfologia das espinhas dendríticas em neurônios corticais de 13 lactentes que morreram de desnutrição grave, em comparação com sete lactentes eutróficos que morreram por outras causas (64). Os autores encontraram alterações marcantes nas espinhas dos dendritos apicais, semelhantes às descritas no RM por outras causas, e concluíram que, embora não fosse possível demonstrar que essas alterações são a causa de - e não uma relação coincidente com - RM, elas podem representar a base da disfunção sináptica associada à desnutrição grave em baixa idade.

Como investigar o retardo mental

Diante de uma criança ou adolescente com evidências de RM, a primeira e principal tarefa do pediatra é realizar uma anamnese e um exame físico minuciosos. A anamnese deve incluir a história familiar de doenças neurológicas e de RM, consangüinidade na família e nível educacional dos pais; história gestacional detalhada, esclarecendo a exposição a toxinas, drogas e infecções; história do parto e nascimento; e heredograma abrangendo três gerações (5). O exame físico necessariamente inclui a medição e classificação do perímetro cefálico, inspeção escrupulosa da pele, se possível com lâmpada de Wood, exame neurológico completo e pesquisa exaustiva de anomalias congênitas, tendo em mente que estas podem ser bastante sutis (8). A revisão de fotografias e videoteipes pode ser útil, e os últimos são valiosos na documentação de distúrbios dos movimentos e alterações do comportamento (5).

O pediatra deve realizar o exame físico de uma criança com RM tendo em mente que as anormalidades neuromusculares - como espasticidade, ataxia, atetose, tremores e hipotonia - são os achados físicos mais prevalentes nas síndromes de RM ligado ao X (14).

A investigação laboratorial do RM varia com a idade da criança, o índice de suspeição das etiologias tratáveis e a preocupação dos pais com a recorrência do problema em futuras gestações. Uma conduta ponderada (Tabela 2), com reavaliações seriadas da criança ao longo do tempo, às vezes durante vários anos, aumenta as chances de definir o diagnóstico (5). Como relativamente poucas doenças metabólicas causam RM isolado sem outros sintomas associados (60), e devido à sua prevalência de apenas 0-5% nas crianças com RM (5), a investigação metabólica não deve ser incluída na triagem inicial (9). Não obstante, a homocistinúria, facilmente diagnosticada por um nível sérico de homocisteína elevado, e os distúrbios do ciclo da uréia, denunciados por hiperamonemia, podem gerar um fenótipo bastante leve. Portanto, os níveis séricos de homocisteína e amônia podem ser incluídos entre os exames iniciais (60).

Tabela 2 -
Investigação do retardo mental em etapas

Poplawski et al. (68) propuseram que a triagem metabólica urinária de aminoácidos e ácidos orgânicos deveria fazer parte da investigação inicial de todas as crianças com RM isolado. Eles estudaram 1.447 indivíduos com atraso do desenvolvimento sem outros indícios clínicos e definiram um erro inato do metabolismo em 16 deles (1,1%).

Em uma criança com RM grave e microcefalia ainda não diagnosticada, deve-se considerar a possibilidade de hiperfenilalaninemia na mãe (60). A investigação metabólica dessa criança será totalmente normal; apenas a medição do nível sérico de fenilalanina na mãe selará o diagnóstico (8).

Dada a freqüência de 4 a 34,1% de anormalidades cromossômicas em pacientes com RM (12), há um consenso de que a avaliação inicial deve incluir um cariótipo com resolução de 500 bandas (5). Alguns autores recomendam a pesquisa molecular da mutação do X-frágil a todos os casos de RM (9), porém outros propuseram uma triagem clínica inicial para aumentar a taxa de resultados positivos (54). Os exames genéticos e moleculares a serem solicitados em determinados casos incluem a pesquisa de microdeleções através da técnica FISH, a pesquisa de rearranjos e deleções subteloméricos e o uso de sondas de DNA para mutações específicas, como as do gene MECP2 e outros genes implicados no RM ligado ao X (5).

Uma conferência de consenso em 1997 (69) propôs que os exames neurorradiológicos deveriam ser realizados na avaliação do RM, especialmente em pacientes com microcefalia ou macrocefalia, espasticidade, crises epilépticas ou perda de habilidades adquiridas. Desde então, os avanços das técnicas neurorradiológicas, como a espectroscopia por ressonância magnética e sua capacidade de detectar causas tratáveis de RM (63), e a detecção de malformações do córtex cerebral em um percentual crescente das crianças com RM levaram à sugestão recente de que os exames de neuroimagem sejam realizados precocemente na investigação do RM, mesmo em crianças sem outras alterações neurológicas (5,62). A tomografia computadorizada continua a ser o exame de escolha nos pacientes com contorno craniano anormal, isto é, craniossinostose, ou naqueles suspeitos de calcificações intracranianas causadas pela esclerose tuberosa ou pelas infecções congênitas (62). Contudo, a ressonância magnética fornece mais informações na avaliação das alterações das substâncias branca e cinzenta e da mielinização e no estudo da base do crânio e da fossa posterior (62).

Uma palavra de cautela é necessária a respeito dos testes neuropsicológicos. Embora sejam fundamentais, a interpretação dos seus resultados deve levar em conta o contexto étnico e cultural, o nível educacional, a motivação, a cooperação e as deficiências associadas do paciente (5). Um exemplo é a interferência do transtorno de déficit de atenção/hiperatividade nos resultados do teste do QI. Uma criança com este transtorno pode ter um desempenho artificialmente baixo em alguns subitens, reduzindo falsamente o escore do QI. Uma revisão dos subitens à procura de discrepâncias significativas entre os escores parciais ajuda a esclarecer essa interferência (70).

Como tratar o retardo mental

A grande maioria das causas de RM não tem cura disponível (8), porém a definição da causa freqüentemente ajuda a família a compreender o prognóstico e a estimar o risco de recorrência (3). A este respeito, um diagnóstico preciso é inestimável para o aconselhamento genético do paciente e da sua família, pois às vezes é possível antecipar futuros problemas médicos. Por exemplo, 21% das mulheres portadoras da pré-mutação da síndrome do X-frágil apresentarão insuficiência ovariana prematura (71).

O fato de uma determinada etiologia do RM não ter cura não impede o pediatra de fazer um grande trabalho, promovendo o bem-estar e a qualidade de vida das crianças acometidas, indicando programas de estimulação precoce (72), tratando os distúrbios associados (73) e atuando como defensor dos direitos dos pacientes na comunidade. Por exemplo, quando o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade está associado ao RM, o uso de metilfenidato pode melhorar a atenção e o comportamento das crianças, embora não melhore o aprendizado (74). Outro distúrbio comumente associado ao RM é a epilepsia, e aqui deve-se dar atenção especial aos efeitos adversos cognitivos e comportamentais em potencial na escolha das drogas antiepilépticas (75). O pediatra também deve ter em mente que as crianças e os adolescentes com RM constituem um grupo de alto risco para maus-tratos infantis (76).

Um problema particularmente comum na população com RM é o comportamento auto-agressivo (77). A expressão do comportamento varia em diferentes distúrbios, como as síndromes do X-frágil, Lesch-Nyhan, Smith-Magenis, Rett e Prader-Willi. Um estudo mencionou a prevalência do comportamento auto-agressivo em 2 a 50% das crianças com RM grave e analisou sua ocorrência em relação à presença de dor crônica (78). Os autores concluíram que existem duas formas de comportamento auto-agressivo: uma associada a dor e dirigida para o local de origem da dor, e outra, mais freqüente, não associada a dor e voltada para as mãos e a cabeça. O manejo desse problema pode incluir técnicas de modificação do comportamento e treinamento na comunicação (77), bem como uma intervenção farmacológica com inibidores seletivos da recaptação da serotonina, trazodona ou buspirona (79).

Um estudo recente propôs o uso de melatonina, na dose de 0,3 mg à hora de deitar, diariamente, para tratar a insônia em adolescentes com RM (80).

A terapia gênica do RM secundário a distúrbios monogênicos continua a ser uma perspectiva em potencial (81).




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